Eduardo Felipe Matias
Caso confirmada, a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais dos EUA trará mudanças significativas para a economia mundial.
Sua posição favorável ao multilateralismo terá reflexos, primeiramente, sobre o comércio internacional. Durante os últimos anos, Trump minou o funcionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC), bloqueando a nomeação de novos juízes para seu Órgão de Apelação. Com isso, não há como julgar eventuais recursos, ficando a solução das disputas em suspenso, o que causa grande insegurança jurídica. Se passarem a adotar um comportamento construtivo, inclusive se engajando na reforma da OMC para que esta volte a atingir seus objetivos de liberalização comercial, os EUA podem reavivar esse ator fundamental do sistema internacional de comércio.
Isso não significa que o governo Biden vá deixar o protecionismo de lado, algo que seria inesperado, dado o histórico de seu partido e seu próprio programa de governo, que explicita claramente a intenção de dar preferência a produtos “made in America”.
Porém, estrategicamente, poderia fazer sentido Biden buscar, por exemplo, o reingresso de seu país na Parceria Transpacífico, da qual Trump se retirou em 2017. Principalmente considerando que esse bloco econômico, que reúne outros 11 países e que, com a volta dos EUA, ganharia ainda mais relevância, tinha entre seus propósitos iniciais contrabalancear a influência da China sobre o comércio da região.
Quanto a esta última, mesmo se Biden pretendesse amainar a guerra comercial iniciada por Trump, talvez não se deva esperar dele uma postura mais suave, seja nas questões tarifárias, seja nas disputas tecnológicas recentes, como aquelas envolvendo as acusações de roubo de propriedade intelectual ou as tentativas de frear o avanço da Huawei. Em um país profundamente polarizado e com sua liderança global ameaçada, Biden deve optar por manter uma atitude firme para com a China, evitando o que seria encarado como uma demonstração de fraqueza logo no início de seu governo.
O outro importante reflexo da mudança de posição em relação ao multilateralismo se dará na área ambiental, cada dia mais atrelada à economia.
O negacionismo de Trump quanto a evidências científicas e seu unilateralismo, que prejudicaram a reação dos EUA ao novo coronavírus e o fizeram anunciar a saída de seu país da Organização Mundial da Saúde em plena pandemia, antes disso o haviam levado a retirar os EUA do Acordo de Paris sobre o clima – o que se concretizou na última quarta-feira.
Biden já avisou que, se eleito, os EUA voltarão imediatamente ao Acordo de Paris, reassumindo seus compromissos com a redução de emissões de gases de efeito estufa, o que trará um novo impulso às negociações climáticas.
Além disso, o programa de governo democrata estabelece uma série de iniciativas internas relacionadas à economia verde que deverão ter repercussões além das fronteiras dos EUA. Por exemplo, Biden promete eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis, apostando em energias renováveis, e investir 2 trilhões de dólares na redução de emissões, a fim de cumprir a meta de que estas cheguem a zero até 2050.
Essa inversão de posicionamento em um país com o peso dos EUA não deve ser subestimada, por sua capacidade de influenciar atores econômicos em todo o mundo. O cumprimento dessas promessas de campanha daria uma clara sinalização para empresas e investidores que já adotam práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) de que esse é o rumo correto a seguir, reforçando essa tendência. O Brasil, que já sofre pressões para não descuidar do meio ambiente, precisa abrir o olho, se não quiser se ver na contramão desse movimento.
Se Biden for capaz de recolocar o trem do multilateralismo nos trilhos, o governo Trump poderá passar a ser visto como um acidente de percurso no caminho da cooperação internacional. É esperar para ver.
Eduardo Felipe Matias é Doutor em Direito Internacional pela USP, autor dos livros A Humanidade e suas Fronteiras e A Humanidade contra as Cordas, ganhadores do Prêmio Jabuti
Artigo originalmente publicada na Folha de São Paulo: link
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